Um conto para o fim de semana
Jean Claude Trichet, Presidente do Banco Central Europeu Detestava tomar banho de água gelada. O gás estava cortado. A casa já era do banco. A burocracia pátria tinha-o mantido entre quatro paredes. A ordem de despejo teimava em chegar. Provavelmente, os bancos estavam fartos de ficar com casas que ninguém tinha dinheiro para adquirir. Há uns anos, convencera-se de que comprar casa era melhor do que alugar. Os juros estavam baixos e um salário ainda parecia um salário. Tudo ruiu. O BCE1 aumentou as taxas de juro 33 vezes. Parece que o seu presidente estava preocupado com a inflação. A economia foi decompondo-se, as empresas fechando, o desemprego aumentando, mas o raio da inflação teimava em não se comportar como o senhor presidente queria. Hoje, não há emprego, a actividade económica está anémica, mas a inflação parece quase controlada. Os bens estão caros, mas ninguém lhes toca. Estava farto desta merda. Vestiu-se. Preparou a arma de plástico. Saiu de casa. Apanhou o metro e dirigiu-se ao Espírito Santo mais próximo. Antes de entrar, acrescentou o último requinte. Tinha-lhe custado os olhos da cara, mas valia todos os euros: uma máscara do imbecil do Trichet2. Aquela criatura teimosa, convencida e burra que tanto o irritava. Era quase justiça divina roubar o banco com aquela cara. Entrou. Berrou: "Mãos ao alto, passem-me o dinheiro". Embolsou uns milhares de euros e fugiu. Mal passou a porta levou um tiro na testa. Enquanto agonizava, um polícia disse: "Filho da puta", enquanto reflectia se não devia ter dado voz de prisão e atirado às pernas. Dissipou a mágoa lembrando-se da prestação da casa e dizendo em surdina: "É uma pena não seres o cabrão do Trichet".
Nuno Ramos de Almeida, conto publicado no "Meia Hora" de 27 de Junho"
1 Banco Central Europeu (BCE)
2 Jean Claude Trichet, Presidente do Banco Central Europeu (BCE) |